A <i>Arte Chocalheira</i><br> uma salvaguarda urgente

Lúcia Cardoso

A arte cho­ca­lheira de Al­cá­çovas já é Pa­tri­mónio Cul­tural Ima­te­rial com Ne­ces­si­dade de Sal­va­guarda Ur­gente, tí­tulo atri­buído pela UNESCO – Or­ga­ni­zação das Na­ções Unidas para a Edu­cação, Ci­ência e Cul­tura.

A de­cisão da Unesco em clas­si­ficar a arte cho­ca­lheira da Fre­guesia de Al­cá­çovas no Con­celho de Viana do Alen­tejo, como Pa­tri­mónio Cul­tural Ima­te­rial da Hu­ma­ni­dade, é sem dú­vida um re­co­nhe­ci­mento aos tra­ba­lha­dores desta arte e aos ar­te­sãos que ao longo dos anos, en­fren­tando imensas di­fi­cul­dades eco­nó­micas e ou­tras, man­ti­veram viva esta ac­ti­vi­dade ar­te­sanal. O fa­brico de cho­ca­lhos é uma arte mi­lenar que tem no ter­ri­tório alen­te­jano a sua maior ex­pressão a nível na­ci­onal, com des­taque para a Fre­guesia de Al­cá­çovas

O Alen­tejo foi até há poucos anos uma re­gião de es­paço aberto, onde não exis­tiam ve­da­ções nem de­li­mi­ta­ções ar­ti­fi­ciais de ter­renos.

Era nestas con­di­ções que os re­ba­nhos e ma­nadas de gado pas­to­re­avam. Para que os pas­tores e mai­o­rais con­se­guissem saber onde se en­con­travam os ani­mais, prin­ci­pal­mente du­rante a noite, era pelo som dos cho­ca­lhos que se ori­en­tavam.

Di­versos tipos de cho­ca­lhos eram uti­li­zados, com di­versos ta­ma­nhos e di­versos sons. Nos campos ou­viam-se ver­da­deiras or­ques­tras con­du­zidas pelos ani­mais que ora mais ve­lozes à pro­cura de pastos mais tenros ou bo­lotas mais doces, ora mais lentos quando pa­chor­ren­ta­mente se ali­men­tavam ou des­can­sando re­moíam.

Mas na ver­dade os tempos mu­daram. As cercas de arames far­pados, de­li­mi­ta­tivas dos ter­renos, foram in­va­dindo os campos, e os pro­du­tores pe­cuá­rios foram dei­xando de pro­curar os cho­ca­lhos para or­na­men­tarem os seus ani­mais. Para além disto, também o facto de a trans­missão desta arte ser he­re­di­tária, de pai para filho, co­locou em risco o per­pe­tuar do fa­brico dos cho­ca­lhos, exis­tindo um elo an­ces­tral que se que­brou com o de­sin­te­resse dos mais novos e com as mo­dernas prá­ticas de pro­dução pe­cuária.

Estas cir­cuns­tân­cias le­varam a uma di­mi­nuição do nú­mero de fa­bri­cantes de cho­ca­lhos, que na re­gião Alen­tejo, mais pre­ci­sa­mente na vila e Fre­guesia de Al­cá­çovas, tinha e ainda tem o seu ex­po­ente má­ximo.

Res­pon­sa­bi­li­dade acres­cida

No en­tanto, vá­rias sãos as fa­mí­lias de cho­ca­lheiros que tei­mo­sa­mente con­ti­nu­aram a pro­duzir cho­ca­lhos e assim a pre­servar esta arte an­ces­tral. Mesmo que esta pro­dução se de­dique agora muito mais à arte de­co­ra­tiva e menos à função que sempre de­sem­pe­nhou, ou seja de ajuda a quem tem a missão de apas­centar os ani­mais pelos campos.

Ac­tu­al­mente restam no país 13 cho­ca­lheiros, a mai­oria no Alen­tejo, dos quais nove têm mais de 70 anos e os ou­tros têm entre 30 e 40 anos.

Tendo em conta a ne­ces­si­dade de pre­servar a arte cho­ca­lheira e de in­cre­mentar a pro­dução de cho­ca­lhos, vol­tando a dar a esta ac­ti­vi­dade a di­mensão eco­nó­mica que já pos­suiu, foi apre­sen­tada uma can­di­da­tura à UNESCO para clas­si­fi­cação desta arte como pa­tri­mónio ima­te­rial da hu­ma­ni­dade com ne­ces­si­dade de sal­va­guarda ur­gente. Esta clas­si­fi­cação veio a acon­tecer no pas­sado dia 1 de De­zembro, na Na­míbia.

Sau­damos todos aqueles que se em­pe­nharam, tra­ba­lharam e co­la­bo­raram para o su­cesso desta can­di­da­tura. Mas se é de facto im­por­tante que se tenha ob­tido a clas­si­fi­cação por parte da UNESCO, na ver­dade, bas­tante im­por­tante é o fu­turo pró­ximo. Muito há agora que fazer para que a arte se de­sen­volva cul­tural e eco­no­mi­ca­mente.

Há muito que de­fen­demos uma forte aposta no in­cre­mento da pro­dução na­ci­onal, no­me­a­da­mente na agri­cul­tura e na pe­cuária. E esta é de­certo uma das mais im­por­tantes para que os cho­ca­lhos se con­ti­nuem a pro­duzir e assim, atrair mais in­te­res­sados em aprender a tra­ba­lhar a arte cho­ca­lheira.

É, con­tudo, fun­da­mental adoptar um outro tipo de po­lí­ticas que pro­tegem as ver­tentes cul­tu­rais desta arte que tem uma li­gação es­treita à pas­to­rícia com re­le­vantes di­men­sões so­ciais que fi­zeram da tran­su­mância uma com­po­nente im­por­tante da re­lação entre as po­pu­la­ções do Alen­tejo e de ou­tras re­giões.

Pre­servar a arte através da es­pécie e a es­pécie através da arte impõe, agora, uma res­pon­sa­bi­li­dade acres­cida. Que seja este mais um mo­tivo para que existam apoios efec­tivos que re­vi­ta­lizem a ac­ti­vi­dade na sua função cul­tural, so­cial e eco­nó­mica.

Mais uma luta para que a voz do campo se con­tinue a ouvir.

 



Mais artigos de: Argumentos

A mobilização geral

As vozes da indignação soaram por todo o País, os votos da rejeição foram maioria, e na Assembleia da República a gente do PSD e do CDS-PP teve de abandonar as poltronas do governo. Não gostou, como bem se compreende, e não foi capaz de digerir esse seu desagrado...

A Declaração Universal<br>dos Direitos Humanos

No momento em que se assinala 67 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, vive-se, mesmo na Europa, a maior tragédia da Humanidade após a Segunda Guerra Mundial, com o maior número de refugiados, resultado das ingerências, guerras,...